Ontem fui almoçar no bar do Tico com
as crianças. Fiquei muito surpresa quando minha filha de 14 anos, ao contrário
do de 9, comeu tudo o que havia no prato. Um PF lindo de morrer e muito bem
servido de arroz, batatas fritas e uma carne de panela absurdamente
saborosa. Eu, claro, também comi tudo, não podia parar mesmo quando já
estava satisfeita. Além de delicioso, o prato me pegou no colo,
ultrapassando os sabores, me levou para um lugar mágico e muito confortável.
Enquanto isso, Tomás remexeu
o prato com certo desgosto e comeu somente as batatas, repetindo a cena já
vivida por mim com minha filha e também vivida por minha mãe comigo e meus
irmãos.
A questão é que nós, mães,
passamos pelo mesmo, geração após geração. Descabelamo-nos querendo que nossos
filhos comam “de tudo” ignorando nossa própria experiência, afinal nós
também éramos seletivas quando pequenas.
E se dermos umas voltas à cabeça,
essa nossa “seletividade infantil” deve haver nos livrado de um ou outro
envenenamento, porque certamente diante de uma bolinha cor vermelha de
uma planta espinhenta, o mais comum entre as crianças é não se
aventurar.
Voltando ao lugar mágico e muito
confortável para onde um prato ou uma bebida pode nos levar - me veio à cabeça
que também é possível transportar-se com alimentos e bebidas para lugares pouco
confortáveis. Nossa memória gustativa é livre. Quando eu era pequena,
não comia cebolas. Isso era mais que um problema para minha mãe, que além de
adorá-las entendia que a cebola é um tempero essencial. Pobre dela e pobre de
mim que, com um pai galego que viveu uma guerra e passou fome em alguns
momentos da vida, não podia permitir que uma filha afortunada com eu “desse um
piti” diante de pratos abundantes por causa de uma “insignificante cebola”.
Quanto ele batia com o punho na mesa para colocar o basta, a mesa tremia, os
pratos e copos tilintavam e eu engolia em sofrimento, muitas vezes inclusive
com ânsia, até o último grão daquilo que estivesse no meu prato. Hoje em dia, e
como minha mãe fazia, cozinho com cebolas, mas, como era de se
esperar, sou cheia de dedos para comê-las.
E com o passar dos anos tudo muda.
Quem não insistiu em uma cerveja para se sentir parte de um grupo
de amigos, talvez até de modo inconsciente? Ou começou a comer determinado
ingrediente por saúde ou estética? Sorte a nossa que o paladar possa ser
moldado a condições diferentes, cultura ou vontades diversas.
Basta insistir para curtir.